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Pela construção de uma consciência negra
“Encarar a própria imagem no espelho nunca foi um desafio, nem motivo de vergonha.”
Ao começar a escrever este artigo, comecei também a suscitar memórias de situações muito dolorosas que vivenciei por conta do racismo. Mas, curiosamente, a que mais vibra em minha mente está relacionada à vida amorosa e como sempre tive medo de não ser amada por nenhum homem. Me lembro com muita clareza, no período do ensino médio, que pensei: “bonita, eu jamais vou ser, então preciso ser inteligente”. Pensei isso porque desde muito nova eu percebia que minha estética era observada com desdém e preterimento. Me lembro de minha incessante busca na infância por aloirar e alisar meus cabelos crespos com condicionadores a base de camomila e xampu Pantene que prometia alisar os “cabelos mais rebeldes” instantaneamente.
Lembro também da sensação de constrangimento que sentia ao me dar conta de que estava interessada amorosamente em um garoto, normalmente branco. Me soava como um atrevimento de minha parte e sempre pensava: “Vai sonhando que esse menino vai querer ficar com você”. Por pensar assim, me habituei a aceitar qualquer tipo de afeto, independente de onde viesse. Isso me levou a ambientes racistas e misóginos, a convivência com pessoas que tentavam a todo custo cada vez mais me domesticar. Por muitos anos, esse pensamento tirou de mim qualquer ensaio de autoestima e amor-próprio. Foram necessários anos de terapia e novos vínculos sociais para que começasse a acreditar que eu era uma mulher negra digna de amor. Mas como nenhuma consciência se constrói por mágica, ainda hoje luto com a sensação de insuficiência e inadequação, com a baixa autoestima.
Cada pessoa negra nestes Brasis luta diariamente pela construção de uma consciência negra emancipada, contra a autossabotagem, contra a domesticação. Diariamente buscamos nos desvencilhar das armadilhas que o racismo estrutural tenta nos impor a todo momento em todas as esferas de nossas vidas, sejam elas afetivas, financeiras, profissionais, estéticas… Por essa razão, faz mais sentido, para mim, pensar que o dia da Consciência negra é uma luta contra a falta de consciência da branquitude. Como diria Sueli Carneiro, apesar de nem todo branco ser signatário do racismo, todos os brancos são beneficiários. Inúmeras mulheres brancas se beneficiam da baixa autoestima de mulheres negras, resultantes do racismo. Muitas mulheres brancas se posicionam socialmente como superiores a nós, se valem de nossas inseguranças para ocuparem nossos espaços em diversos âmbitos, mesmo quando são visivelmente menos competentes do que nós, por exemplo.
São tantas as camadas que poderiam ser citadas, que a única que vale agora é a constatação de que a maioria das pessoas brancas seguirão apenas curtindo o feriado do dia 20 de novembro, porque para elas encarar a própria imagem no espelho nunca foi um desafio, nem motivo de vergonha.
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